1 de março de 2006

Lidos (fevereiro/06)

Como o passado, também este foi um mês de muitos livros, mas vamos lá, jogo rápido pra garantir o postzinho mensal :)

O Caçador de Pipas - Khaled Houssini
Tem pessoas que abominam um best-seller. Também já fui assim, mas tenho descoberto cada vez mais que um best-seller quase sempre o é justamente. O mais impressionante do Caçador de Pipas é a narrativa e a profundidade de detalhes com que o autor vai desenrolando o carretel da história. Não me entendam mal, não é o caso de ser superdescritivo com cenários e ambientes como um Tolkien, mas sim de elaborar os personagens com pequenas histórias, sentimentos e reflexões de tal modo que quando o pequeno Amir chega aos quarenta anos e se lembra de um episódio de infância, o autor não precisa fazer um corte e flashback pra contar a história, porque o leitor sabe de tudo de sua vida como se sua própria fosse.

O Apanhador no Campo de Centeio - J.D.Salinger
Foi a primeira vez que reli um livro, lembro de ter lido O Apanhador no último ano que permaneci da faculdade de direito, quando já não ligava pra mais porra nenhuma e passava as aulas de direito do trabalho e constitucional mergulhado em livros que eu catava na biblioteca da faculdade. Aliás, uma das coisas que mais sinto falta na PUC é da biblioteca, porque a da Cidade é uma merda.
De qualquer maneira, embora eu talvez estivesse lendo na idade ideal sempre fiquei a impressão de ter entendido e aproveitado muito menos do livro do que poderia, e estava certo. O Apanhador se justifica um clássico em cada sacada e observação de Holden Caufield.
O livro conta a história de um jovem que perambula pela cidade após ser expulso do colégio enrolando até o dia de voltar pra casa, para que seus pais perguntem porque ele chegou antes do fim das aulas.
O humor sarcástico de Caufield permeia todo o livro e algumas reflexões tornam-se parte de quem lê como quando se dá conta de "Quem quer flores quando se está morto? Ninguém." ou se revolta ao ir ao colégio da irmã menor e tentar apagar um "fuck you" pixado no corredor onde a caçula passa diariamente, "Mesmo que você vivesse um milhão de anos, não conseguiria apagar nem metade dos 'fuck you' escritos nas paredes do mundo".

Sobre Falar Merda - Harry G. Frankfurt
Sinceramente esperava uma babaquice rápida e indolor, um texto leve, engraçadinho e bem escrito debulhando com definições fanfarronas e cheio de citações e diálogos exemplo.
O que encontrei foi um texto chato e sem humor sobre o tema, uma dissertação formal acadêmica, sobre o fenômeno do falar merda e com citações sim, mas de malas do passado como Wittgenstein e Pascal que já condenavam a falação de merda - aparentemente um fenômeno atual - no início do século passado.

Como Ser Legal - Nick Hornby
Mais uma vez enganado pelo título e pelo autor, dessa vez esperava o que se espera de um Hornby, um loser que se transforma e se dá bem no final e esse título de auto-ajuda seria apenas uma fina ironia porque o personagem podia ser também um tremendo filho da puta ou baita dum anti-social.
Mas o livro não tem nada disso e a aparente decepção começa ao descobrir que o título original é "How To Be Good". good, e não cool, malditos tradutores.
E logo você se descobre lendo sobre uma médica, casada com 2 filhos que não agüenta mais sua vida com o marido mal-humorado, os pacientes de sempre e o amante sem graça e resolve passar tudo a limpo. Como se identificar com isso?
Mas tudo bem, você se lembra que ele teve um filho com problemas e por isso esteja mais sensível, mais zen, mais preocupado em passar boas mensagens para o mundo and shit e aceita a nova pegada, vai em frente e o livro acaba se tornando uma boa boa surpresa, mas com toques de auto-ajuda (ainda que sem ser péla) o bastante para justificar o título. Não leiam as orelhas ou contra-capa sob pena de estragar surpresinhas que eu tentei preservar aqui.

Pergunte Ao Pó - John Fante
O estilo direto, os personagens uniques e relacionamentos disconexos transformaram esse que vos fala num novo fã de John Fante. O filme, devidamente destruído na cerne de sua história, chega em março e todos conhecerão minha amiga e ídola Camilla Lopes, interpretada lá por Salma Hayek. :)

O Espinafre de Yukiko - Frédéric Boilet
Na verdade um mangá, e não sei se deveria figurar nessa lista, mas preciso dizer que tudo nele é bem fraco, desde os desenhos sem personalidade, que parecem fotos traceadas - ninguém quer ler fotonovelas - à história, insossa e superficial. A obra tem claramente muito apelo e significado pessoal e o autor deveria tê-la preservado assim ao invés de expôr e publicar uma história que não diz nada a ninguém a não ser a si mesmo.

Numa Fria - Charles Bukowski
Na ânsia de me aproximar de novo de Fante, ingressei por Bukowski, o mais famoso "discípulo". :) Mas essa coletânea de contos peca por ser longa demais. Ao longo dela o estilo de Bukowski se mostra tão sólido que em certo ponto o livro perde a graça, depois de ler tantos contos você já entendeu o estilo, já conhece quais os 3 ou 4 personagens e enredos possíveis e consegue até prever o final (ou a falta dele) e o que você acharia genial se tivesse lido um ou outro conto isolado passa a parecer um eterno pastiche de um pastiche de si mesmo. Espero um romance dele pra desfazer essa impressão.

A Arte de Escrever Bem - Dad Squarisi & Arlete Salvador

A cada dia se escreve mais que no dia anterior, cada vez mais pessoas se comunicam mais através de mais meios. O denominador comum dessa comunicação são as combinações das palavras e é disso que trata o livro, não é voltado especificamente para romancistas ou contistas nem executivos ou secretárias.
Os exemplos mais comuns são voltados pra jornalistas e professores, mas aproveitáveis por todos, e embora tenha função didática a linguagem é leve e divertida ao contrário de enfadonha ou dona-da-razão.

A Hora da Estrela - Clarice Lispector
Um dia me dei conta de que eu nunca havia lido uma escritora mulher na vida, exceto J.K.Rowling. Tratei então de pensar rapidamente em mulheres escritoras e as primeiras que me vieram a cabeça foram Clarice Lispector e Isabel Allende (mais sugestões no comments, por favor), me arrisquei nesse da Clarice e embora não tenha sido o livro mais sensacional do mundo (nem melhor que Harry Potter, na verdade :)), a personalidade na forma de escrever é bem impressionante com realismo, realismo inventado e recheado de metalinguagem. O narrador Rodrigo S.M. vai contando e contando sobre como é contar a história da jovem Macabéa. Em certo ponto você se depara com notas do autor tipo "Estou com preguiça de escrever essa história agora, volto daqui a 3 dias" ou "Como é chato isso. Descrever me cansa" que adicionam humor e originalidade numa história que por sua vez, sai do nada pra lugar nenhum e acaba por depender mais desses recursos para se tornar interessante. Hmmm, enquanto escrevia essas últimas linhas acabou de me ocorrer Virginia Woolf e Sylvia Plath, mas mulher deprimida escrevendo deve ser insuportável.